Da próxima vez que se reunir, no dia 8 de junho, o Conselho Pleno do Conselho Nacional de Educação (CNE) terá caras novas. Dos 24 conselheiros - 12 da Câmara de Educação Básica, 12 da Câmara de Ensino Superior - dois forçosamente serão substituídos, havendo ainda a possibilidade de outras oito trocas. No entanto, ainda que 10 de 24 conselheiros (41,6% do total) comecem um novo mandato, pouco ou nada deverá mudar na correlação de forças políticas na instituição.

Sacramentado em lei no ano de 1995, o CNE, sucessor de outras versões de conselhos, como o Nacional de Ensino, de 1931, e o Federal de Educação, de 1961 (leia texto na página 51) tem "atribuições normativas, deliberativas e de assessoramento ao Ministro de Estado da Educação, de forma a assegurar a participação da sociedade, no aperfeiçoamento da educação nacional", como diz seu regimento. Mas a forma como seus conselheiros são escolhidos ainda é, segundo seus críticos, um entrave para a autonomia do colegiado, fazendo da instituição quase sempre uma instância corroborante das decisões ministeriais.

"Os conselhos de educação são órgãos-chave dos sistemas de ensino porque funcionam como uma espécie de legislativo e judiciário da educação. No entanto, eles têm uma estrutura que os situa na dependência direta do executivo", aponta o pesquisador Dermeval Saviani, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Em 2010, 32 entidades estão aptas a indicar nomes para participar do conselho. Cada uma delas sugere o nome de seis candidatos, três para cada uma das câmaras - a de Educação Básica (CEB) e a de Ensino Superior (CES). Os secretários de Educação Básica e de Ensino Superior do MEC ocupam vagas permanentes em cada uma das câmaras. Os conselheiros têm mandatos de quatro anos, passíveis de recondução por outros quatro. A escolha é feita em anos pares alternados, de forma a não permitir que todos os membros sejam substituídos em um único processo de condução aos cargos.

"Não tenho nenhuma expectativa nem vejo razão para imaginar que a substituição vá ser diferente dessa vez. O governo Lula ampliou o leque de entidades que participam das indicações, mas não mudou efetivamente o processo porque a escolha ainda é a do ministro. Essa situação faz parte dos passinhos que temos de dar para um conceito mais ousado de democracia", defende a professora Lisete Arelaro, da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (Feusp).

Na Câmara de Educação Superior deixam o cargo a professora Maria Ancona-López, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) e Edson de Oliveira Nunes, vice-reitor da Universidade Cândido Mendes. Ambos completam em maio o segundo mandato no conselho, sem possibilidade de renovação. Já os conselheiros Hélgio Trindade, Mário Pederneiras e Aldo Vannucchi terminam o primeiro mandato, podendo ser ou não reconduzidos ao conselho pelo ministro Fernando Haddad.

Na Câmara de Educação Básica, cinco conselheiros estão nesta mesma situação. Seu primeiro mandato se encerra em maio de 2010, mas há possibilidade de que permaneçam por mais quatro anos. São eles: Mozart Neves Ramos, Maria Izabel Noronha, Maria das Dores de Oliveira, Regina Vinhaes Gracindo e Wilson de Mattos .

Para o presidente da CEB, Cesar Callegari, o sistema da lista tríplice com a decisão final do ministro se justifica por um dos papéis do CNE que é o de assessorar o ministério. "Esse também é um papel do conselho e acho natural que o próprio ministro tenha algo a dizer em relação às indicações", diz. Callegari acredita que a chegada de novos conselheiros em maio não deve alterar os trabalhos do órgão. "Minha impressão pessoal é de que haverá pouca mudança. Na CEB, estamos no meio de um processo muito fértil e rico de construção das novas diretrizes curriculares nacionais para a Educação Básica. O nosso grupo tem se mostrado muito produtivo", avalia.

A presidente do Conselho Pleno do CNE, professora Clélia Brandão, também não acredita que a troca dos conselheiros traga mudanças substantivas na agenda traçada pelo órgão. "Em 2009, tivemos avanços importantes na articulação com outros conselhos e com a comunidade e isso em nada se altera porque é um projeto do conselho e não de pessoas. Cada um vem com a sua experiência, com sua individualidade, de instituições diferentes e isso só enriquece o trabalho. Mas as pessoas nunca podem ser maiores do que o projeto", diz.


Público x Privado

Para fortalecer o caráter institucional do CNE, Saviani acredita que sua composição deve surgir "de um colégio mais amplo possível, envolvendo prioritariamente a comunidade educacional". Vencedor do Prêmio Jabuti de 2008 na categoria "educação, psicologia e psicanálise", por seu livro História das ideias pedagógicas no Brasil, o professor da Unicamp critica o fato de representantes do setor privado terem assento no conselho.

"Não faz sentido que eles definam normas que obriguem a todos, inclusive escolas públicas. O CNE acabou não tendo uma sorte muito melhor do que o antigo Conselho Federal de Educação. Lá também operam os lobbies, as influências acontecem. Há pessoas ligadas aos setores privados com posições-chave lá dentro", aponta.

Lisete acredita que hoje há um equilíbrio maior entre as representações de cada setor dentro do conselho, mas ainda é preciso mais. "A presença maciça dos privados no comando é histórica nos conselhos estaduais, esse governo tentou retirar essa marca. Mas reequilibrar esse poder é muito difícil. No CNE, como ocorre hoje no Brasil, o ensino superior é majoritariamente privado. Por isso eles reivindicam uma participação maior, o que é uma inversão", defende.

Mas o presidente do Sindicato do Ensino Privado do Rio Grande do Sul (Sinepe/RS), Osvino Toillier, reclama de uma "tendência gradativa de exclusão do setor" nos conselhos de educação. "Espero que os novos conselheiros que entrem não percam isso de vista: não temos só escola pública no Brasil." Em sua avaliação, se o ensino privado faz parte do sistema de ensino no Brasil e é previsto na Constituição, deve também ser chamado para discutir os grandes desafios nacionais na área.

"Não é uma tese de um feudo que quer se proteger. Não queremos proteção ou privilégio, mas respeito às 38 mil instituições particulares de ensino que existem hoje no Brasil", defende.


Conselho de Estado ou de governo?

A dificuldade em garantir uma autonomia plena em relação ao executivo não é uma exclusividade do CNE. "O grande desafio é dar um salto no sentido de deixar de ser conselho de governo para ser conselho de Estado. Isso se coloca para todos os conselhos e estamos buscando esse caminho", admite a presidente da União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação (Uncme), Maria Ieda Nogueira.

Na opinião de Lisete, até agora os governos tentaram deixar os conselhos sob seu controle em algum grau. "O executivo quer ter certeza de que esses órgãos não passarão a exercer, com excesso de autonomia, uma política diferente daquela que acontece no executivo", acredita.

Outro fator que dificulta a independência: o CNE não tem orçamento próprio, mantém-se com recursos e quadro de pessoal do Ministério da Educação. O presidente da CES, Paulo Barone, concorda que há uma carência grande em termos estruturais que pode comprometer a autonomia plena dos colegiados. "O CNE tem uma relativa autonomia, até porque toma decisões regulatórias. Mas há uma carência muito forte em sua estrutura operacional. Houve uma decomposição dos quadros do setor público que está sendo revertida muito lentamente", afirma.

Dermeval destaca ainda o fato de que os pareceres só passam a valer depois de homologados pelo ministro. Mas, para Clélia Brandão, o trabalho do conselho precisa ser feito em diálogo com o Ministério. "Autonomia não pressupõe distanciamento", afirma. "Quando vamos estabelecer uma série de diretrizes, que tem impacto no orçamento, por exemplo, é preciso que o diálogo seja muito intenso e articulado com o MEC, mesmo com a autonomia que devemos ter."

Barone também rechaça a ideia de que as entidades representativas de setores da educação precisam necessariamente ter um representante no órgão. "A natureza do CNE não é semelhante à de outros conselhos. Ele não tem caráter de representação e é bom que seja assim porque ele precisa representar o pensamento nacional e não os setores, com um formato de vinculação. É como se na seleção brasileira cada jogador representasse um time. Não é assim. Eles vão jogar pela camisa amarela", compara.


Mudança de rumo

O processo de escolha dos membros do CNE, seu formato de representatividade e até mesmo suas funções serão debatidas na Conferência Nacional de Educação (Conae), em Brasília. O tema está incluído na programação de colóquios e é possível que os delegados votem por novos rumos para o conselho.

Para o presidente da Campanha Nacional pelo Direito à Educação e membro da comissão organizadora da Conae, Daniel Cara, o processo de composição do CNE "precisa ser mais aberto". "É necessário que ele reflita mais a realidade da educação no Brasil hoje. O CNE não precisa necessariamente ser um conselho de notáveis, mas refletir a realidade da educação e da escola", diz.

Daniel Cara adianta outro debate que vai estar na Conae: a incorporação de novas funções ao conselho. "A ideia é que ele passe a ser um órgão que incorpore mais a função social de controle. Hoje ninguém faz o controle social da educação. É preciso acompanhar o Fundeb, a execução do orçamento pela união, entre outras questões", pondera.

Amanda Cieglinski
Brasilia