Lei sancionada em julho tem gerado grande debate sobre o impacto no orçamento das secretarias de Educação e na qualidade do ensino. Ampliação das horas destinadas às atividades extraclasse é aspecto mais polêmico

Nas últimas semanas, o Brasil assistiu a uma série de discussões sobre a Lei 11.738, que institui o piso nacional para os professores da Educação Básica. Representantes da CNTE - Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação, professores da rede pública de 12 estados paralisaram suas atividades por um dia em prol da campanha "O piso é lei. Faça Valer!". Ao mesmo tempo, secretários de Educação contestaram, junto ao Ministério da Educação, pontos relativos à lei. A nova medida tem divido opiniões entre gestores, sindicatos e organizações não governamentais, sobretudo sobre o impacto da lei no orçamento e na qualidade do ensino.
 
A lei, aprovada em julho, institui o piso nacional para os profissionais do magistério público da Educação Básica no valor de R$950 para a jornada de 40 horas semanais. A iniciativa é vista como uma conquista histórica por diversos setores ligados à Educação. Para o presidente do Sintepe PE - Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco, Heleno Araújo, o piso é um instrumento de valorização do profissional e deve contribuir para diminuir as desigualdades de remuneração entre os estados e municípios.

Justina Iva, presidente da Undime e secretária de Educação de Natal, defende que "a valorização do professor é o ponto de partida para qualquer país desenvolvido". Já a presidente do Consed - Conselho Nacional de Secretários de Educação e secretária estadual de Educação de Tocantins, Maria Auxiliadora Seabra Rezende (Dorinha), acredita que a lei é um passo importante para que a carreira docente passe a atrair mais jovens.

Na opinião do presidente executivo do movimento Todos Pela Educação, Mozart Neves Ramos, a valorização do professor passa necessariamente por três questões básicas: plano de carreira, formação inicial e continuada e garantia de condições de trabalho. "Um dos grandes problemas da Educação brasileira é o déficit de professores. Para atrair pessoas qualificadas à carreira docente é preciso valorizar o profissional do magistério", explica.

A pesquisa "Como os Sistemas Escolares de Melhor Desempenho do Mundo Chegaram ao Topo" reafirma a importância da valorização do professor. Desenvolvido pela consultoria internacional McKinsey e apresentado ao movimento Todos Pela Educação, o trabalho aponta os principais fatores comuns que contribuíram para o sucesso escolar de países como Finlândia e Coréia. O estudo demonstra que não apenas o financiamento ou a infra-estrutura, mas principalmente a capacitação e a valorização do professor são os grandes pilares da qualidade na Educação. De acordo com a pesquisa, o fator que teve grande impacto no resultado dos países observados, e que é o ponto principal levantado pelo relatório, foi o trabalho do professor.
 
Impacto do piso nacional para professores divide opiniões
Apesar de haver consenso em relação a necessidade de valorizar a carreira do magistério e da criação do piso nacional, a lei 11.378 tem gerado muitas divergências. O ponto mais polêmico da nova medida é ampliação da carga horária destinada às atividades extraclasse para 1/3 da jornada, que antes era de 20 a 25%. Em algumas redes a ampliação do tempo que o professor fica fora das salas de aula pode aumentar em até 13,33%. Segundo o Consed e a Undime, para cumprir a nova determinação os estados e municípios terão que aumentar o quadro de docentes.

O presidente do Sintepe PE - Sindicato dos Trabalhadores em Educação de Pernambuco, Heleno Araújo, afirma que "a ampliação do tempo às atividades extraclasse é uma grande conquista, pois com esse tempo o professor pode aperfeiçoar sua formação, inovar e refletir sobre a sua prática pedagógica. Sem ele, o professor acaba dando a mesma aula por dez anos. Isso reflete diretamente na qualidade do ensino".

Mozart também acredita que a mudança pode impactar na qualidade do ensino. Entretanto, ele ressalta a importância de garantir que esse tempo em que o professor não estará em sala de aula seja destinado à formação, à preparação das aulas e às reuniões com o corpo pedagógico da escola. Dorinha tem a mesma opinião, ela afirma que "ter mais tempo é importante e pode sim impactar a qualidade". Entretanto, pondera que muitos professores não cumprem essa medida.

Heleno afirma que para garantir a permanência do docente, a escola deve ter uma estrutura mínima, com sala de professores, biblioteca e material didático. Outro ponto destacado por ele é que "muitos utilizam esse horário para trabalhar em outras redes, sobretudo por causa dos baixos salários". O presidente do Sintepe diz que é preciso um acompanhamento das secretarias municipais e estaduais. Sobre o assunto, Dorinha comenta que há muita dificuldade em fazer esse monitoramento porque os sistemas municipais e estaduais não são integrados. "Além disso, muitos trabalham na rede privada", completa a presidente do Consed..

Em contrapartida, Justina destaca que pedagogicamente a nova medida pode não ter um bom efeito sobre o aprendizado, sobretudo nas séries iniciais do Ensino Fundamental, Segundo ela, em uma rede cuja jornada de trabalho é de 25 horas semanais, por exemplo, o professor ficará fora da sala de aula por aproximadamente 8,3 horas. Sob este cenário os alunos poderão, em uma mesma semana, ter aula com dois professores, o que pode prejudicar a aprendizagem. A presidente da Undime explica que as redes de ensino municipais são muito diversas, há jornadas de 20, 25, 30 horas semanais.

A secretária de Educação de São Paulo, Maria Helena Guimarães de Castro defende que "cada rede tem a sua peculiaridade, por isso é que as carreiras têm que ser estaduais ou municipais. É o ente federado quem deve organizar como é que essa carreira vai funcionar. Sou a favor do piso nacional, mas a organização interna da carreira não cabe ao governo federal estabelecer, da mesma forma que o estado não deve estabelecer a de seus municípios".

Dorinha afirma que o assunto é complexo e que precisa ser discutido pelos diversos setores como viabilizar a medida, para que ela saia do discurso. Sobre o orçamento destinado à Educação, ela lembra que "há também a questão do pagamento da aposentadoria dos professores, que em muitas redes ainda sai do orçamento da Educação, com conivência dos Tribunais de Contas".

 

Fonte:
www.todospelaeducacao.org.br